NUNO JÚDICE (1949-2024)
Abro-te a porta do poema;
e tu
espreitas para dentro da estrofe, onde
um espelho te espera.
NJ, A pura inscrição do amor, 2018
A poesia de Nuno Júdice abre-nos uma janela infinita de reflexão filosófica onde o ser-no-tempo é, simultaneamente, um ser-para-a-morte. Judice propõe-nos uma poesia como auscultação do ser enquanto dasein. Era interessante nesta fase alargar este pequeno fragmento a uma reflexão mais profunda de evocação e memória heideggeriana acerca do estatuto do humano no mundo e a relação que este ser assume enquanto consciência de si pela sua relação consigo e com o mundo (dasein) onde a “linguagem é a casa do ser”. Mas não… após esta pequena evocação, voltemos à poesia de Nuno Júdice.
A vida e a realidade são os alicerces de uma ruína de uma narrativa em busca da autonomia profunda que o humano pode alcançar através da poesia.
Lirismo e criticismo são faces de uma moeda única do pensamento.
(…) Terra, nome secreto, mar corrente da enumeração. O lirismo
evasivo do símbolo. Rompo o silêncio barroco da escrita. Invento
o equilíbrio injusto da sensibilidade. A injustiça substitui-se ao delírio – deus!
deus! Claridade abstracta! ousadia formal! Tormento
nomeado!
Penso a música inorgânica das religiões. A ascese é um astro
místico. Inspiração, forma, cachimbo apagado que o crepúsculo
incendeia – eis nada e todas as coisas
NJ, Noção de Poema, 1972
A poesia de Nuno Júdice é uma constante “colheita de silêncios”, um poderoso instrumento que subsiste dentro e fora do humano e que lhe permite habitar o milagre da conversão desta música surda, em palavras que são gestos, cor e som! Júdice dedicou uma vida a esta conversão. E que tipo de silêncio estamos nós a falar?
Silêncio para saber olhar o mundo
Silêncio para conseguir compreendê-lo
Silêncio para conseguir resistir à propaganda desenfreada de um avanço sem razão
Silêncio para pensar, sentindo
Silêncio para sentir, pensando
A manifestação do absoluto deu-se num copo
de água, quando o sol saiu de trás de uma nuvem
e lhe deu o brilho inesperado no meio da mais
cinzenta das manhãs. Por vezes, pensa o agnóstico,
o que é inverosímil nasce de uma pura explicação
lógica, como se o acaso não existisse. O que ele
faz, porém, é colocar-se na posição do homem
que não aceita que a beleza possa surgir do nada,
ao descobrir que tem o pé na fronteira entre o que
sabemos e o que não precisamos, sequer, de
compreender. Por isso, ao beber a água, senti
o brilho da manhã encher-me a alma, como
se a água fosse mais do que um líquido incolor
inodoro. Porém, quando pousei o copo vazio,
sentindo a falta da luz que o enchera, pensei
como é frágil essa pequena beleza, e
que talvez fosse melhor ter ficado com sede.
NJ, O Mistério da Beleza, 2011
É urgente a poesia na era da técnica!
Paulo Sousa Coelho, Semanário Expresso
Fotografia ®
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Ivo Aguiar
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Sobre o Autor
Ivo Aguiar
Leitor omnívoro. Escritor independente. Filosofia, Poesia e Arte em Geral.