Os tons do amor e da amizade
Senti através do olhar um nevoeiro crepuscular, com frio, mas do agrado de todos devido ao conforto que o calor humano garantia neste acaso. A cortesia da casa ofereceu-nos o calor dos têxteis, nós garantimos a continuidade de um outro calor.
Era um bonito final de tarde de um Inverno que acabara de começar.
A minha presença aquecia-se por um deus que já não mora fora de mim.
O nevoeiro não chegava pela visão, pois era ténue não sei bem se perceptível ou não pelo olhar. Era um nevoeiro de outra espécie: brindado pelo odor da maresia que me permitia viajar em direcção a um Verão longínquo sem sair do lugar. Imóvel, podia captar o por vir num espaço que mediava um tempo que ainda morava eu mim.
Deixei-me ficar, junto ao solo, na contemplação sublime de um pôr-do-sol que tinha tanto de belo como de arrebatador. Era inegavelmente belo, mas vermelho… num degradé que nos encaminhava o espírito para os limites da imaginação. Esta sua luz fez com que deixasse de ser apenas belo para passar a ser também sublime.
Libertei-me da natureza e fixei-me apenas nos seres humanos que me aqueciam mais do que qualquer olhar. Por eles, a minha vida é muito mais que existir. A eles devo, em parte, o Amor que tenho pela parte Humana da natureza.
Os humanos que me amam iluminam a acendalha divina de um deus que se dá a conhecer em mim através da beleza.
Bebemos, comemos, brindamos e saboreamos os prazeres que o momento nos podia propiciar. Trocamos pensamentos, conversamos sobre literatura, evocamos até a dialéctica através de Kundera, mas, acima de tudo, sorrimos uns com os outros. Ao sorrirmos, verdadeiramente, não estávamos apenas a concordar com o pensamento daquilo que estava a ser dito, mas essencialmente a brindar ao sabor de uma amizade eterna, albergaria de todos os encontros que tivemos e de todos aqueles que ainda não tiveram lugar nem tempo. Ao sorrirmos concordamos de forma unânime com o universo que nos inquilina a vida.
No final, mudei um pouco de mim e percebi que um ou mais deuses podem habitar fora de mim pois existe um pedaço da sua beleza em todos aqueles que nos amam de forma genuína e reciprocamente saudável.
—
Ivo Aguiar
Sobre o Autor
Ivo Aguiar
Leitor omnívoro. Escritor independente. Filosofia, Poesia e Arte em Geral.