Kant, 300 anos, pó e dignidade

Num ano em que se celebram os 300 anos do nascimento de um dos maiores génios da humanidade, Immanuel Kant, uma breve reflexão, longe dos holofotes gigantes da filosofia da Razão Pura e da Razão Prática, que merece a nossa atenção e disponibilidade.


O sem-preço

1. A definição de dignidade por Kant: “Age de tal forma que trates a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre também como um fim e nunca unicamente como um meio.”
O que é tratado como um meio – e não como um fim – é um objecto ou, pelo menos, fica com esse estatuto. Quando se fala de utilidade fala-se disto. A utilidade é aquilo que está no meio.
Quando usamos algo útil, temos sempre os olhos levantados a olhar lá para o fundo.
E se o útil é aquilo que está sempre no meio então uma coisa inútil pode afinal ser isto: algo que tem em si o final. Um grande fim: a inutilidade.
Estou a fazer algo inútil. Ou seja: não há um fim para isto. O fim é já isto. Contentamento, prazer, revelação, etc.
Encontra, pois, as coisas inúteis – diz Jonathan, um amigo – e nelas monta um acampamento.

2. Kant diz ainda: “Aquilo que tem preço pode ser substituído por qualquer coisa equivalente.” O preço inaugura o processo de troca, mas o sem preço, diga-se, inaugura a teimosia humana. Só os humanos podem colocar etiquetas sem preço nas coisas e nas pessoas porque só eles podem colocar preço nas coisas e nas pessoas. Os animais não.
Kant escreve: “O que é superior a qualquer preço, e por isso não permite nenhuma equivalência, tem dignidade.”
O sem preço não é necessariamente o muito caro, o que é gratuito também não tem preço, portanto não tem equivalente, portanto não entra no sistema de trocas. O que é gratuito tem dignidade.
O que é a dignidade, então? É aquilo que faz com que uma coisa ou uma pessoa, quando está sozinha, não se desfaça em puro pó.

3. Mas a dignidade do pó, daquilo que já desfeito é empurrado de um lado para outro, parecendo não ter vontade própria?

4. O pó foi monumento. O pó será monumento.
O pó é o monumento no breve intervalo de tempo em que este perde o valor e fica sem-preço. Já não tem preço, ainda não tem preço.
A valiosa dignidade do pó.


Gonçalo M. Tavares, JL, ed. 1327, 11 de agosto de 2021

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Os meios, os fins, os objectos, a utilidade, a revelação, o preço, o sem-preço, a dignidade e o pó.
O pó é o devir. O “já não” que é (e será) o “ainda não”.
Passado e futuro realizados na síntese dialéctica do devir no presente.

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Uma reflexão simples através de conceitos, que cruzam o quotidiano de qualquer vida humana, ligados entre si…

20905

Sobre o Autor

Ivo Aguiar

Leitor omnívoro. Escritor independente. Filosofia, Poesia e Arte em Geral.

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