Tentar compreender as consequências do mundo digital e, em especial, o peso que as ditas “redes sociais” assumem no quotidiano é, para mim, o grande desafio do século XXI. O balanceamento entre o estar e não estar é a nova dialéctica contemporânea que inscreve o humano numa circuncisão efémera de um conjunto de novas doenças de foro psicológico e onde os especialistas pouco ou nada saberão acerca do inconsciente estrutural que as originou. Muito me debato com este tema porque acho preocupante não a liberdade que cada um assume na gestão das suas vidas mas, tão só e apenas, a alienação que cada pessoa vive diariamente através do simples facto de trazer amarrado a si mesmo um dispositivo digital que marca e define o seu quotidiano: acorda-o, notifica-o, lembra-o, interpela-o, desperta-o, e mesmo quando nada faz, lança nele um silêncio perturbador – nesse caso é necessário promover o acto de desbloquear para ver se o mundo ainda existe, se está tudo bem e se haverá algum escândalo que se possa partilhar. A alienação deixou de estar na fábrica, nas minas ou nas sociedades feudais do século XVII em geral. A alienação agora está no bolso ou na carteira de cada ser humano.
Sobre este tema li, esta semana, com alguma felicidade um artigo interessante escrito por Anne Applebaum e Peter Pomerantsev onde as redes sociais aparecem descritas como o epíteto de uma sociedade não democrática – e, consequentemente, não livre – por comparação aos gloriosos dias “Da Democracia na América”, um clássico fascinante onde um francês quase naufragado nos EUA, de seu nome Alexis de Tocqueville, retrata com tanto rigor e simpatia a democracia real vivida pelo espírito associativista de uma América a nascer e a florescer livremente.
“Com a transferência maciça de tanto entretenimento, interação social, educação, comércio e política do mundo real para o mundo virtual — um processo acelerado pela epidemia do coronavírus —, os americanos passaram a viver numa inversão tenebrosa do sonho tocquevilliano, uma nova forma de terra selvagem. Muitos americanos modernos procuram agora camaradagem online, num mundo definido não por amizade mas por anomia e alienação. Em lugar de participarem em associações cívicas que lhes deem um sentido de comunidade e uma experiência prática de tolerância e construção de consensos, os americanos juntam-se a turbas na internet, submetendo-se à lógica da multidão, clicando like ou share e continuando o seu caminho. Em vez de entrarem numa praça pública da vida real, vagueiam anonimamente para espaços digitais onde raramente encontram opositores; quando encontram, é só para os aviltar.”
“Um sistema online controlado por um número minúsculo de empresas sigilosas em Silicon Valley não é democrático mas oligopolista ou mesmo oligárquico.”
Alienação e aviltamento! Vale a pena ler
(c) Ilustrações de Gonçalo Viana.
Artigo completo em:
https://expresso.pt/sociedade/2021-04-17-Como-apagar-o-incendio-na-democracia-f6b1af8e
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Sobre o Autor
Ivo Aguiar
Leitor omnívoro. Escritor independente. Filosofia, Poesia e Arte em Geral.