A 19 de Outubro de 2023 foi inaugurada uma nova Ala do Museu de Arte Contemporânea em Serralves. Marco histórico para a cultura portuguesa foi devidamente assinalado com a presença das maiores figuras de estado da República Portuguesa. Esta nova Ala, denominada Álvaro Siza, constitui um projecto de grande complexidade arquitectónica devido não apenas à sua dimensão, mas também por encaixar num existente edificado há mais de 25 anos. Apesar se toda a complexidade, a obra, foi executada num tempo record de 18 meses. O acesso a esta nova Ala é realizado, essencialmente pelo interior do Museu, fazendo com que o espectador crie um contacto inicial com o edifício da primeira fase do Museu de Arte Contemporânea que o mesmo arquitecto teve a oportunidade de projectar quando recebeu o convite em Janeiro de 1989. Este foi para Álvaro Siza Vieira (ASV) o momento mais honroso da sua carreira profissional.
Este projecto é, pois, uma continuidade da relação estabelecida entre Fundação de Serralves e esta genial figura da arquitectura mundial galardoada, em 1992, com o mais prestigiado Prémio Pritzker. São inúmeros os projectos de intervenção que ASV promoveu no espaço desta Fundação: Museu de Arte Contemporânea, Casa dos Jardineiros, Casa do Cinema Manoel de Oliveira, Centro de Informação (loja), Quinta para Crianças, Restauro da Casa de Serralves e agora, mais recentemente, a ampliação do Museu de Arte Contemporânea com a nova Ala. A eclosão deste novo edifício acontece de uma forma harmoniosa e permitiu a Siza Vieira fazer aqui acontecer aquilo que é o reflexo da sua atitude: o pensar a arquitectura a partir do lugar e da sua envolvente, sendo que, neste aqui e agora, o espaço envolvente desta paisagem estabelecida não incluía apenas o Parque, mas também um icónico Edifício referenciado como Monumento Nacional.
Este novo espaço é inteiramente dedicado à Arte Contemporânea e à Arquitectura em particular. O aumento da oferta cultural pode facilmente traduzir-se em números:
- 4.204 m2 de Área de Construção + 33% relativamente à área existente;
- 1.975 m2 de Área de Exposição (em 2 pisos) + 44% relativamente à área existente;
- 1.117 m2 de Área de Reservas + 75% relativamente à área existente;
A inauguração desta nova Ala tornou-se um momento histórico da Arquitectura Mundial pois foi inteligentemente inaugurada com a sua Arquitectura a Nu, permitindo aos visitantes, a apreciação de forma plena de um majestoso projecto arquitectónico, transformando um espaço de arquitectura dedicado à Arte não apenas num veículo programático das exposições que irá receber, como também, e acima de tudo, objecto de uma singularidade artística per si. Estamos habituados a ver a arquitectura de um Edifício dedicado à Arte (como um Museu) mais ligado ao seu espaço e configuração exteriores, do que ao fluxo organizacional e espacial do interior. De forma arrojada e notável a Fundação de Serralves permitiu a todos os visitantes a apreciação do interior desta nova Ala como objecto de arte em si mesmo. Podemos chamar a esta atitude uma tentativa de interiorização da beleza no Museu através da Arquitectura. E foram inúmeras as reacções positivas a esta atitude.
Podemos ver aqui um certo paralelismo com as provocatórias exposições de Yves Klein na década de 50 e 60 do século passado: com o seu famoso Empty Room, Kleinn criou um espaço vazio, pintado por ele próprio de branco, símbolo da imaterialidade e através do qual o espectador poderia ter uma relação estética com o real mais bem-sucedida do que perante uma qualquer obra de arte. O vazio em Klein era, contudo, muito mais motivado pelo esvaziamento do já existente, do que pelo preenchimento futuro daquilo que ainda não é. Arquitectura a Nu é em si mesmo um vazio, mas, todavia, já preenchido por algo que ainda não está presente. Ao contrário de Klein, Siza não necessitou de esvaziar o espaço: Siza criou um novo espaço, como possibilidade criadora de infinitas possibilidades e, por isso, lhe louvamos a atitude de uma nova e ousada aporia.
No meu entendimento destacam-se 3 vectores principais na apreciação deste novo espaço interior:
1. A janela que anuncia a chegada à nova Ala, descrita pelo próprio ASV como uma “janela especial, de formato triangular, como que chamando a atenção para o facto de estarmos a entrar num edifício diferente, permitindo uma vista panorâmica para o jardim”. A utilização deste tipo de janelas triangulares não é uma novidade na obra de Siza, como pode ser comprovado pelo projecto que o mesmo concretizou na Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, entre 1979 e 1997, no entanto, aqui assume uma preponderância tal que o próprio autor decide dar-lhe um destaque especial. O sentimento de beleza e singularidade da criação arquitectónica é uma possibilidade real perante este elemento ímpar do edifício.
2. A passagem interior para nova ala acontece por via de um edifício existente e com mais de 25 anos de exposições contínuas. A entrada na nova Ala comunga de uma unidade de linguagem, que para o mais desatento dos visitantes pode passar “despercebida”. Para além da linguagem comum existe uma comunhão nos materiais escolhidos, nomeadamente a brancura das paredes lisas de grandes dimensões bem como o piso no característico carvalho natural. Esta continuidade é, no entanto, quebrada pelo “anúncio” da janela triangular destacada anteriormente que marca, notavelmente, a mudança para um novo espaço. A simbiose entre os dois espaços é um momento notável de convergência entre o espaço e o tempo comparável ao crescimento de um organismo vivo de uma forma diacrónica. Por isso, muitos têm descrito a nova Ala como “um novo ramo que cresceu da velha árvore”.
3. Os tectos em forma de sancas iluminadas bem característicos da arquitectura de ASV que quase puxam o visitante para o local onde o autor do projecto deseja. Há quase uma falta de liberdade imposta pelo autor que encaminha o visitante para o vazio dos espaços, puxando-o de uma sala para a outra pela sua própria vontade. A magnitude dos tectos delega os cortes para o exterior para um segundo plano e impõe ao visitante uma consciência vincada sobre o peso da brancura e a relação que esta assume com o vazio e, em especial, com a luz.
Na linha de continuidade de todos os projectos assinados por ASV a luz aparece sempre com matéria-prima universal da sua arquitectura. Os cortes do edifício para o exterior são circunstanciais e cirúrgicos, ao ponto de agudizar no visitante uma consciência de que a preponderância da luz é imposta pela vazio do espaço e das sombras e não pelo tamanho que as janelas poderiam apresentar. A luz é, na realidade, o aspecto fundamental desta arquitectura e torna o espaço desta nova Ala um ponto de visita obrigatório. Visitar um Museu Nu com esta magnitude foi, de facto, um prazer não irascível possível durante mais de 5 meses.
A 23 de Fevereiro de 2024 a nova Ala Álvaro Siza foi inaugurada como espaço de exposição com 2 grandes exposições: uma dedicada à Colecção de Serralves, Anagramas Improváveis, e outra denominada C.A.S.A., um acrónimo em português das palavras Colecção Álvaro Siza, Arquivo dedicada, naturalmente ao arquivo que o arquitecto doou, em 2015, à Fundação de Serralves a que se juntaram os arquivos Álvaro Siza/Carlos Castanheira e Álvaro Siza/Tereza Siza, ambos depositados também na Fundação. Depois de tantos projectos alavancados nos espaços de Serralves, iniciados com o convite inaugural efectuado pela Fundação em 1989, esta exposição do Arquivo de ASV é, pois, um “Regresso a Casa”. A nova Ala foi construída, segunda a Fundação de Serralves, para ser precisamente a CASA da Colecção.
“A CASA, enquanto arquétipo, está na génese de toda a arquitectura. Do abrigo primordial até aos domicílios contemporâneos, a humanidade tem preenchido o seu mundo de casas – unidade essencial dos tecidos urbanos e rurais, da vida familiar e coletiva. No entanto, o habitar transcende hoje a aparente simplicidade do lar para abranger ambientes de trabalho, espaços ecuménicos, edifícios de ensino e entretenimento, entre outros tantos. Não é surpreendente, portanto, que este caráter antropocêntrico e multifacetado do viver em comunidade esteja tão profundamente radicado na obra de Álvaro Siza.” Arquitecto António Choupina, curador da exposição C.A.S.A.
Esta é, pois, uma exposição em torno de um conjunto vasto de CASAS. A sua organização baseia-se nos diferentes tipo de casa onde a obra de Siza se alicerçou: para além do edificado em torno de Serralves “Voltar a Casa”, são apresentadas aos visitantes 9 tipos de casa que constituem os diferentes subcapítulos da exposição:
- Casas de Família
- Casas do Povo
- Casas de Comércio
- Casas de Lazer
- Casas do Conhecimento
- Casas do Trabalho
- Casas de Fé
- Casas de Cultura
- Casas de Artistas
Seria impossível concluir este artigo sem mencionar a excelência da obra que a Fundação de Serralves disponibilizou a partir de 23 de Outubro de 2024, C.A.S.A. – Coleção Álvaro Siza Arquivo que mostra ao leitor de uma forma ímpar os 110 projectos que são o objecto de estudo desta publicação.
https://www.serralves.pt/atividades-serralves/2310-lancamento-livro-casa/
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Ivo Aguiar
Sobre o Autor
Ivo Aguiar
Leitor omnívoro. Escritor independente. Filosofia, Poesia e Arte em Geral.